domingo, 24 de janeiro de 2010

Os sonhos que deixamos de viver



O meu blog tem sido deitado ao abandono. É verdade que não são raras as vezes que por cá passo para escrever. Mas são raras as vezes a que me disponho a tal.

Falta-me tempo, energia, e sofro de uma certa falta de paz que não mo permite fazer. Escrever sempre foi para mim um processo de construção interior, e de uma certa ordenação mental. É como se conseguisse por tudo no sítio certo, encaixado onde sempre deveria ter estado. E afinal o que me tem faltado não é tempo, é organização. Ás vezes sinto-me tão cansada, mas simultaneamente tão irrequieta que não consigo parar para escrever. Para pensar. Sinto que a vida se esvai. Sinto que tempo, que afinal é apenas o que fazemos dele, passa cada vez mais de uma forma ainda mais rápida, mais louca, quiça alucinante. Sinto que me esqueci de mim mesma no meio do caos.

O ecrã está branco e fico com receio de escolher as palavras erradas.

Sabes que durante o ano de 2009 li mais de vinte livros?! E sabes qual é o meu cantor favorito? Sabes qual é a estação do ano que mais gosto? Reconheces a cor pela qual me perco? Ou então a peça de vestuário pela qual sou capaz de perder a cabeça (ou o dinheiro)? Sabes porque gosto de ti? Sabes o que mais me irrita nas pessoas? O meu maior defeito? A minha maior qualidade?


Talvez.

Ás vezes tenho a certeza que o mundo para mim é um MUNDO todo onde cabe tudo e não cabe nada, onde cabem experiências e afectos, onde cabem amores e desamores, onde as raivas e os ódios se dissolvem, onde o mar e o sol se tocam cada dia, todos os dias.

Primeiro era o verbo e o verbo fez-se carne. Era assim que o professor de MIA (Métodos Instrumentais de Análise) começava as aulas. Todos os dias.


Mas tantas outras vezes acho que vivo num mundinho pequeno, mesquinho, medonho só de pensar que existe. Limitado. Picuinhas. Um mundo limitado ao meu ser, que se colide com ele próprio.

Tenho pensado, e cada vez mais tenho reflectido nisso, que realmente não é esta a vida que escolhi. Não são estes os sonhos que sonhei para mim. Não foram estas as pessoas que eu decidi amar. Amo porque sim. Gosto porque a alternativa era esta ou nenhuma outra.

É difícil de explicar-te assim, por palavras, quando as palavras estão gastas.

Eu quero viver o meu sonho, eu quero voar o meu destino, com as minhas asas, e traçar a minha liberdade.

Eu quero batalhar a minha luta.

E o meu sonho implica esforço, coragem, audácia. Implica que tu estejas ao meu lado. Que não vaciles, e que não me deixes desistir. Implica que saibas quais os livros que li, ou a música que oiço no carro ao berros, ou que adoro carteiras e brincos, que conheças o meu perfume. Implica que haja alguém que acredite em mim.

O meu sonho, também é o teu sonho.

Cada manhã um desafio.

Sabes quando fazemos tudo por alguém e esse tudo não chega? Ou quando se esquecem da nossa existência, e passamos a sentir-mo-nos invisíveis?

É uma sensação horrível. De que não existimos, de que não estamos ali, ou até mesmo de que não somos suficientemente capazes de ser pessoa.


Não sei.

Estou confusa. Ando chateada. Irritável. Irascível.

Se não procurarmos o céu, nunca chegaremos ás estrelas.

Pedro Abrunhosa/ Jorge Palma/ Madredeus/... .Outono.Preto. Calças de ganga. Porque és genuína. Hipocrisia. Teimosia. Ter um pouco de ti.

Bárbara de Sotto e Freire



quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

À Beleza

«Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.
És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.
És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.
És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.
És a beleza, enfim.
És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.»
Miguel Torga, in 'Odes'
Bárbara de Sotto e Freire