terça-feira, 10 de julho de 2012

Adopta-me II

«Passei dias à tua procura. Não posso dizer que tenha sido à tua espera, porque não se espera por ti, procura-se por ti - o que é um paradoxo para matar o tempo, mais dinâmico, mais corpóreo, mais aceso também.
E, de tanto procurar na ausência, aprendi que esta é uma história extenuante. Uma história em que passamos todos muito tempo à procura. Talvez isso nos fortifique, e nos faça encontrar partes dispersas de nós, o que já não é mau. Cheguei a um ponto de desdobramento em que não estou contigo, mas sou contigo, e talvez tenha agora entendido que estar é pouca coisa. Ser é infinitamente mais. Eu sou em ti.
E de tanto procurar, de tanto ensaiar o que te diria quando por fim te sentisse chegar, passei a viver de uma outra forma. Contigo cá dentro. Minto, com a tua personagem cá dentro. E o que é a mentira senão a verdade de pernas para o ar? Garanto, agora garanto eu, que, nesta clivagem poderosa, vive-se com alma, vive-se com asas, de maneira a tocar a tua ilusão de azul-perfeito sempre que me apetecer.
Ainda não percebi porque será que tudo aquilo em que eu toco desaparece de repente


Adopta-me
Maria João Lopo de Carvalho


Bárbara de Sotto e Freire

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Adopta-me I

«Há um dia em que as pessoas morrem para sempre dentro de nós. Esse dia tinha chegado. O que nos torna ínfimos é a nossa incapacidade de ver. Essa cegueira disforme que nos impede de auscultar a vontade do outro, de vasculhar dentro da vontade do outro. Quando assim é, absolutamente nada nos ilumina e nem a intuição se encarrega de nos guiar. O amor nasce e morre dentro de nós quando muito bem lhe apetece. Sem aviso prévio. Sem rede. Nunca se sabe o ponto de açúcar, o momento certo para avançar no arame. A vara nas mãos, a olhar o céu, o coração suspenso. A todo o momento o arame, um risco fino, imperceptível, está e deixa de estar por baixo dos nossos pés. Tive de lhe dizer:
- É hora de ir embora.
- Nunca foste forte em despedidas. Não acredito que consigas.
- Até já.
Disse-lhe adeus e fiquei com a rigorosa sensação de que a grande mentira da minha vida tinha sido este "até já" hipócrita que se soltara da minha garganta para evitar danos maiores.
A perda. A falta. Fazer coincidir o coração com a cabeça dentro deste lugar anárquico que sou, onde nunca o coração obedece à cabeça. Consegui.»

Adopta-me
Maria João Lopo de Carvalho


Bárbara de Sotto e Freire