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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

As palavras que nunca te direi

     Escrevo-te, hoje, o que há muito guardo dentro de mim. Talvez estas sejam as últimas, ou as primeiras, de muitas palavras de um coração aberto, mas abafado e triste; as palavras, últimas ou primeiras, de um coração liberto de mágoa, ou de ódio. Como te digo, escrevo-te hoje, pela última ou primeira vez, aquilo que sempre senti mas nunca te sussurrei. Com amor.
Entraste na minha vida como uma brisa que sopra de leste. E tal como a brisa que sopra de leste, levemente e baixinho, foste entrando, e eu deixei. Amei-te. As palavras nunca foram a nossa união, mas o nosso muro, a nossa barreira. 
Amo-te?! Pergunto-me muitas vezes a mim mesma o que é o amor, o que é amar-te. Ainda não encontrei a resposta, porque ainda não te encontrei. Nem quero...
Mas, controversamente, no meu silêncio casto vou-te procurando. Vou olhando para a magia dos teus olhos, sempre doces, e sempre meigos, e não os quero ver. Sabes porquê? Porque tenho medo de escolher entre um passado triste e um futuro sublime. Tenho medo de escolher entre ti, ou uma vida rodeada das minhas memórias, das minhas aguarelas já envelhecidas, dos meus textos, das palavras que me aprisionam e me impedem de chegar, livremente, até ti, amor.
       Sussurro então ao vento de leste que me dê uma chance. A chance de te encontrar sem te tocar, sem me puxares, pelo coração, para esse lado. O lado meigo e sincero da vida, onde as coisas são sempre naturais como o respirar, e simples como o som das ondas do mar. Mas sem querer, ou poder, porque a vida pode ser construída por círculos perfeitos, ou por formas irregulares, sinto-me acarinhada pelo teu olhar. Os teus lábios são bem delineados, e sempre os apreciei. E eles pedem-me, sem falar - porque as palavras são pedras - um beijo, uma carícia, uma ternura. As tuas mãos... São alvas, e notam-se nelas todas as veias, como se toda a tua vida fosse um espelho transparente, à espera que um raio de sol lá se reflicta. Serei eu esse raio de sol que te iluminará a alma... Mas as tuas mãos esguias, e alvas, e macias, como que me chamam para que eu me entrelace eternamente nelas... O teu cabelo... não to defino, nem te defino de tão esparso, de tão bela e pura que é a tua, a nossa, essência. 
Mas tu estás desse lado, e eu e as minhas palavras estamos aqui, deste lado, como que a querer fazer o impossível. Eu estou aqui. Também eu estou à tua espera sem o saber. Quero, mas não entendo racionalmente essa vontade, meu amor.
          Desespero calmamente deste lado, com as minhas palavras. E tu permaneces firme no teu silêncio, com o teu olhar vivo, doce, e meigo, a percorrer-me o corpo e a invadir-me a alma. Mas as palavras não são tudo. E, então, entrego-me finalmente ao teu amor. Calmamente desço a ponte que nos separa, e os teus braços abrem-se. E tudo num segundo, numa eternidade que permanecerá gravada para sempre na minha memória, nas minhas palavras, no meu coração. Embalada pelo teu corpo, e pelos teus movimentos singelos, deixo-me levar, como se fosse, também eu, uma princesa, bela e esguia, de traços finos, e de olhar doce, e de coração puro. Deixo-me ir, e as minhas mãos tocam finalmente nas tuas, e os nossos olhares encontram-se, frente a frente... O teu olhar ilumina-se de uma vivacidade sofrida. E a nossa pele toca-se, pela primeira vez. Os teus lábios encontram-se com os meus e então tudo deixa de ser teu ou meu e passamos a ser nós. Amor; meu amor. 
        Nunca te direi estas palavras.

     Embalada pela solidão da distância que nos une, deixo-me ir, e os nossos corpos, puros, despem-se na penumbra do dia. Tocas-me docemente como que perguntando-me, sem palavras, só com os olhos e com as mãos, se te quero, se quero o momento que persegue o destino dos infiéis. E eu, passivamente percorro-te o corpo com o meu olhar. Despidos, os dois, de palavras, de preconceitos, perante o pôr do sol; despidos e simultaneamente repletos de um amor que nos invade por todo o sempre. E a brisa sopra, devagarinho e leve, de leste. Então, como se de algo divino se tratasse, apaixonamo-nos e deixamo-nos levar pela corrente de amor que nos une. Mas permanecemos ambos virgens, de qualquer marca, de qualquer sentimento, ou palavra. Porque o nosso amor é assim: puro e casto, como uma vela que permanece acesa, mesmo com a brisa de leste a soprar, levemente e baixinho. É um amor puro e casto, como o nosso olhar, como as nossas mãos. Mas nenhuma palavra se troca entre nós. Nenhuma palavra. Apenas o silêncio do amor. Mas tu sabes, eu não amo sem palavras.
       E esquece-mo-nos ambos de um pormenor. 
       É que eu continuo do lado de cá, com as minhas palavras, e tu desse lado, do lado do coração. Do lado do destino dos que amam e vivem para o amor. Tu permaneces desse lado esperando por um entardecer, que eu acredito que será mais belo que este que eu imaginei e te senti. Jamais esquecerás o meu ramo de violetas, e o meu perfume de lavanda silvestre, e eu jamais esquecerei o teu silêncio puro e convincente de que sou realmente a tua princesa... mas não... não quero ser a princesa das palavras mortas. Jamais esquecerei que exististe, e sei que tu permaneces – e deves permanecer - desse lado, acreditando no entardecer, esperando por um raio de sol que te ilumine a tua pele alva, e a tua simplicidade. Desejo-te eternamente, como me desejaste. Mas nada entre nós será possível, meu amor. Nada. Porque entre nós existe o mundo, o tudo e o nada, o emocional e o racional. Entendes? Não, eu sei que não entendes, porque estas são as palavras que eu nunca te direi.

       Procuro-te pelo mundo sem querer, e tento vislumbrar nos olhos dos homens que se cruzam comigo, nesta vida de formas indefinidas, a pureza e a leveza que só tu transportas. Tento encontrar alguém com os teus movimentos, calmos e seguros, crédulos de que um dia aparecerá um raio de sol. Sabes, meu amor, procuro sem querer procurar. Porque me refugio subtil e infielmente nas palavras que nos separam. Jamais serei digna do teu amor, e jamais pertencerei ao teu mundo. Fiz com as palavras um trato eterno. Um trato de vida, e de morte, e de sangue. 
        Meu amor... estas são as palavras que nunca te direi. 

    Espero nunca te encontrar, porque sou fraca, e tenho medo que o meu coração estremeça quando te vir e te reconhecer. Por favor, tal como o vento que sopra de leste vem e vai, por favor volta para esse lado da ponte que nos separa, e nos une, porque acredita que haverá alguém capaz de te amar mais pura e sinceramente que eu. Eu irei sempre pôr reticências, e estarei sempre insegura da minha sinceridade para contigo, e da tua fidelidade para comigo. Estarei sempre com o medo do abandono e da rejeição. E estarei sempre com a  vontade de ser livre e de amar as palavras. Isso basta-me, entendes?! Por isso não tenho o direito de te aprisionar. Por favor segue o teu rumo, e sussurra, como uma brisa de sul, aos ouvidos da tua princesa, todo o teu amor, verdadeiro e puro. Amar-te-ei para sempre e eternamente, mas não quebro promessas. E por isso, porque te amo, e porque, acima de tudo, te respeito, e respeito a simplicidade da tua forma de amar, na vida e na morte, não quebrarei a promessa que tenho para com as palavras. 
      Antes de me despedir, para sempre, deixa-me dizer-te, que, se o amor existe, então eu amo-te. Mas sou cobarde, e justa, e fiel. Desejo, do fundo do meu casto ser, que a felicidade que te pertence seja tua... 
     Vai, mas não te esqueças de que eu te amo, e de vez em quando, sem que eu me aperceba, vem ter comigo, e, sem palavras, faz-me um carinho, dá-me um beijo, e faz-me sentir na pele aquela brisa que nos faz arrepiar a alma: a tua, a nossa, eterna brisa de leste.
       Amo-te.
       São estas as minhas palavras para ti. 
       As palavras que nunca te direi.

Bárbara de Sotto e Freire

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Ás vezes

Ás vezes choramos sem razão. Ás vezes choramos com uma dor de alma profunda, como se a nossa alma só conhecesse um lado.
Ás vezes os dias correm mal.
Ás vezes sentimo-nos perdidos, sozinhos, nostálgicos.
Não suportamos ver ninguém, muito menos a nossa imagem no espelho.
Ás vezes não nos apercebemos do quanto as pessoas nos ferem, nos magoam, nos decepcionam. Quando muito, não nos damos conta, do quanto nos podemos decepcionar a nós mesmos.
Ás vezes os dias passam rápido.
Ás vezes não tomamos as decisões certas, no tempo devido.
Não amamos na mesma medida.
Ás vezes amamos tanto, que ficamos vazios.
Ás vezes sentimos que a nossa vida é feita apenas de despedidas, sem ter sido possível, alguma vez, gravar nos olhos da alma, os olhos de quem vai.
Ás vezes não gozamos o momento, não sorrimos genuinamente.
Ás vezes queremos mimo.
Ás vezes nem a carapaça da indiferença nos permite resistir aos mais afiados aguilhões.
Ás vezes é mais fácil enfiar a cabeça na areia, porque temos medo do desconhecido, temos medo de falhar. Falhar com os nossos sonhos e promessas de outrora. Ás vezes somos a nossa própria desilusão.
Ás vezes tornámo-nos os melhores. Ou os piores.
Ás vezes achamos que a vida só nos coloca obstáculos.
Ás vezes não somos suficientemente inocentes para acreditar na vida, e somos levianamente perspicazes levados a acreditar que alguém, um dia, nos poderá entender.
Bárbara de Sotto e Freire