quinta-feira, 19 de junho de 2008

Desencanto

Sobre mim uma luz ténue. Uma luz mortiça que me faz acorrentar ao presente e me impede de voar, de ser congruente com a minha natureza intrínseca de pássaro sem asas, de poeta sem alma, de um sonhadora de ilusões.
Entretanto, por detrás de uma bruma que se esconde, por detrás das partículas do sol quente da tarde que ainda vagueiam, estende-se uma seara, e um céu. É como se para além desta realidade visível, comportamental, física, palpável, houvesse o verdadeiro, aquilo que nos impele a viver, e assim a morrer para o mundo. Por detrás dos olhos de cada um de nós escondem-se todos os sonhos utópicos, e todos os filmes que possivelmente nunca se irão viver, porque quando forem sentidos e vividos já a realidade é outra, e já esses sonhos não são sonhos. Proporciona–mo–nos a nós lutar por um sonho, e é a ideia de o queremos alcançar sem, contudo, nunca o conseguirmos, que nos faz viver.
E por entre as desilusões criadas, por entre as frustrações que fantasmaticamente se escondem e invisivelmente nos guiam, está a vontade firme de chegar à meta.
Então, entre a luz mortiça que magoa os olhos mas que me prende à lucidez que terrenamente me é exigida, e os olhos que a vêm e a percepcionam, estende-se o vasto céu e uma seara. É entre o aqui e o agora, entre o que está e o que pensa, que reside a minha vontade de sonhar e viajar na memória de coisas que nunca conheci, mas inatamente sei. Todo o universo passou por mim, e por isso, tal como tu, conheço os segredos que a terra esconde, e o sol, no vasto céu, ilumina. Mas prende–me o cordão umbilical que não me deixa gritar de medo do desconhecido mas sentir o alivio de encontrar o grande espaço, e contactar, assim, com esta parte da vida que é o sonho.
Neste espaço atómico entre a luz mortiça do candeeiro e os olhos cansados de leituras sucessivamente frustradas de conhecer o Homem multifenoménico, paira a dúvida e a visão do infinito. Dúvida porque tudo me parece uma contradição; visão do infinito porque a única dicotomia lógica é a morte, perante a vida. A liberdade de alcançar o desconhecido, quem sabe o sonho, e a possibilidade de largar a correia que me prende e vincula, ganhar asas e nascer de novo.
Verdade ou sonho, utopia ou finito, vasto céu ou terra funda, entre a luz mortiça e os meus olhos passa a vida e o sonho e assim, sonhos sucessivamente frustrados porque parte-se mas nunca se alcança, o que se alcança não foi o sonhado com amor, não foi a mensagem levada pelo vento incerto, nem a vontade de ver, livre e paziguamente o céu e uma seara onde se sente o infinito, e que paira entre a luz mortiça e os meus olhos.
Bárbara de Sotto e Freire

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